sexta-feira, 15 de abril de 2011

Uma mulher chamada Jesus



Jesus nasceu em Buri, São Paulo, num 18 de janeiro. Sua vida pública não começou numa sinagoga, mas num concurso de beleza. Ali disse, bom som: “Meu nome é Jesus...” Tudo mudou
A folhas tantas de Quase tudo, autobiografia de Danusa Leão, a autora tenta explicar as razões de seu sucesso. Não é atriz, nem cantora, nem ficcionista. Mesmo assim, tornou-se uma das mulheres do Brasil. “Deve ter sido por causa do nome”, especula. Ninguém se chama Danusa impunemente. É forte, é sonoro, é diferente.
É mais ou menos o que diz outra mulher que conheço. Ela se chama Jesus. Para bem dizer, Maria de Jesus. Mas quis o destino que quase todos quase sempre se esquecessem disso e a chamassem apenas de “a Jesus”. É um tal de “eu vi a Jesus” e “mande um beijo para a Jesus, tá”.
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Os seios de SaleteO Ypiranga não morre nunca“A namorada que sonhei”Há 60 anos, não há dia em que alguém não lhe pergunte por que diabos “Jesus”. Só lhe resta contar a história bonita que só foi descobrir aos 7 anos de idade, ainda de tranças e no grupo escolar de Buri, cidade pequenina do sul de São Paulo onde a menina Jesus nasceu.
No pátio do colégio, a petizada corria pelas costas gritando com som e fúria: “Jesus, Jesus, Jesus, hahahá”, como fosse ela uma nazarena. Arrisca ter sido o primeiro bullying sacro depois da era das grandes perseguições religiosas. E lhe marcou feito fogueira da Inquisição.
Vaiada, a guriazinha agarrou-se à barra da calça do pai e quis saber “causa de quê” ganhara o nome de um homem. Ao causo. A mãe de Jesus – Escolástica – viúva jovem e dona de uns bons alqueires, enamorou-se de Pedro Ricabone, italiano foragido da Segunda Guerra e feito padeiro em terras brasileiras. Casaram-se.
O parto da primeira filha foi à moda rural. “Lampião de gás”. Às primeiras dores, Pedro arrancou-se em tiro atrás de ajuda. Nem bem levantou a tramela da porta, ouviu: “Não é preciso”. Jesus aparecera a Escolástica e lhe ajudara a dar à luz. Daí o nome – uma homenagem ao parteiro ilustre, continuamente invocado na hora das contrações, ainda que na presença dos melhores anestesistas.
Apesar do encanto, a fábula que une Escolástica, Pedro e Jesus mais se parece a uma daquelas tramas em sépia escritas por Charles Dickens. O casal se separa. Pedro fica com Jesus. Juntos, seguem mambembes, a garotinha e seu pai fazendo das distâncias um lar. É ele quem a ensina a dirigir trator. E quem alerta: “Jesus, filha, aprenda tudo o que puder.”
Jesus não foi apresentada ao templo, como o original, mas à sociedade de Itapeva, a cidade próxima. No final dos anos 1960, candidatou-se ali a “Rainha dos Minérios”. Grande dia. Em pose de miss, o apresentador lhe perguntou como se chamava. Já sem medo das vaias dos meninos do colégio, autodeclarou-se “Jesus”. Levou a faixa e a coroa.
Depois Jesus vira funcionária do Banco Intercontinental. A namoradinha de Itapeva. A paixão do engenheiro Paulo Mu­­radás, com quem viria a se casar em 1970. Ganharam o mundo: tiveram três filhos, ajudaram a criar outros dois e fizeram fortuna que mal posso contar nos dedos, multiplicando os pães feitos por Pedro Ricabone, o italiano.
É certo que ter sido abandonada por Escolástica deixou-a em mágoas. Os belos olhos, rasos d’água. Mas há coisa de 30 anos, vejam só, Jesus e Escolástica se viram próximas. A caminho de Termas de Jurema, mãos na boleia, com a família toda dormindo, Jesus teve a certeza de que iria se acidentar. Lembra da derrapada, do carro sob duas rodas e d’Ele, tal qual à mãe, lhe acenando numa das sofríveis PRs do interior.
Nunca mais Jesus & Jesus se viram tão de perto assim. “Se Ele aparecer de novo, fico bem feliz”, brinca. Terão o que conversar. Jesus planeja um tour na Terra Santa – adoraria umas dicas. Falaria da passagem do Evangelho que considera uma barra: “Ama o próximo como a ti mesmo”. Do amor bandido de Davi e Betsabá, trama bíblica que a Jesus adora. Tagarelarão as últimas, é claro.
A Jesus empresta sua piscina de Florianópolis para que evangélicos sejam batizados lá. E a pousada que ergueu em Santa Catarina “é a casa dos que chegam.” Bem ela que ainda bebê ficou às beiras. Como não nega palavra a ninguém, se desdobra em conselhos a outrem, incluindo aos hóspedes argentinos.
Dia desses, umas conhecidas até lhe pediram que estivesse por perto na hora de um parto. To­­pou. Ninguém, afinal, se chama Jesus impunemente.

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